Utilização racional dos exames de imagem em medicina

Dez de 2019.

Os exames de imagem aplicados na medicina, como o raio-x, a ultrassonografia, a tomografia, o PET-CT e a ressonância magnética, mostram detalhes da anatomia normal e patológica. Algumas dessas estruturas até há pouco tempo só podiam ser imaginados ou identificados, tarde demais, em necropsias. Assim, é compreensível o entusiasmo e a expectativa da população e dos médicos em relação à utilização desses exames na prevenção e no tratamento das mais diversas doenças.

Figura 1-  O raio-x de tórax foi um dos primeiros exames radiológicos utilizados na medicina.

 

Entretanto, muitas aplicações rotineiras dos principais exames de imagem ainda não foram respaldadas por evidências científicas quanto aos reais benefícios ou mesmo aos possíveis danos aos pacientes. Isso acontece, pois, a tecnologia evoluiu rapidamente nas últimas décadas, enquanto os estudos científicos, metodologicamente criteriosos, sobre a sua utilidade prática consomem tempo e limitados recursos em pesquisa. Recomendações institucionais isentas sobre as vantagens e as desvantagens relacionadas à utilização de novos exames podem levar décadas até serem conhecidas.

Figura 2 - Ressonância magnética de mamas com contraste (pMEmaxx enhanc) mostrando na mama esquerda nódulo irregular e espiculado, com realce ao meio de contraste. Através desse exame é possível identificar detalhes fantásticos da anatomia e da fisiologia normal e patológica das mamas, das axilas e da parede torácica. Entretanto, nem sempre esse detalhamento é vantajoso ao diagnóstico ou ao tratamento das pacientes com câncer de mama.

 

Para os pacientes, os exames de imagem podem servir como uma segunda opinião ou trazer mais segurança no diagnóstico e no médico. Entretanto, os exames de imagem são frequentemente utilizados apenas para atenuar a ansiedade dos pacientes ou de seus familiares.  Para o médico, a solicitação de exames de imagem também pode ser encarada como uma forma de proteção contra processos por erro diagnóstico ou terapêutico, a chamada medicina defensiva.  Entretanto, para que ocorra um real benefício à saúde do paciente, é necessário que os exames de imagem sejam indicados em contextos clínicos adequados. Em outras palavras, é muito mais provável achar algo relevante em algum exame, quando sabemos o que estamos procurando.

Figura 4 – A equipe multidisciplinar deve trabalhar em harmonia de forma a que os exames adequados sejam solicitados e apenas os achados relevantes sejam considerados.

 

Assim, para que os exames de imagem sejam solicitados de forma racional é necessário que os médicos conheçam e mantenham-se atualizados sobre as seguintes variáveis, específicas para cada método de imagem e para cada contexto clinico.

  • Segurança - como bem diz o ditado, segurança em primeiro lugar. É muito importante que os médicos e os pacientes conheçam as principais questões sobre a segurança dos exames de imagem.
     
  • Radiação - malformações e oncogênese.
     
  • Toxidade dos meios de contrastes - reações alérgicas e nefrotoxicidade.
     
  • Desconforto - ansiedade pelo exame ou pelo resultado, dor, hemorragia e infecção.
     
  • Campo magnético intenso - risco de trauma pela projeção de estruturas metálicas ferromagnéticas.
     
  • Implicações social, legal e ética - devem ser conhecidas e respeitadas as regulamentações dos conselhos de classe, como o Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (CRM-SP) que determina, por exemplo, que novas tecnologias não podem ser usadas como ferramentas de marketing pessoal ou para a obtenção de vantagem profissional ou financeira indevida.
     
  • Efetividade - devem ser avaliadas as evidências disponíveis sobre a confirmação ou a refutação dos benefícios esperados com a utilização de cada exame. Por exemplo, ao prescrever e orientar as pacientes sobre a mamografia, o médico deve conhecer qual é a real redução de mortalidade por câncer de mama atribuível à mamografia em cada faixa etária.
     
  • Custo-efetividade - dado numérico que relaciona o custo (em unidade monetárias, por exemplo: R$) com o efeito desejado (em unidades clínico-epidemiológicas, como mortalidade, morbidade, hospitalização, eventos adversos). Por exemplo, cada vida salva pela aplicação de um determinado método de imagem pode custar R$ 100.000.
     
  • Custo-benefício - dado numérico que relaciona o custo do método (em unidade monetária) com os seus efeitos desejados (também em unidades monetárias). Por exemplo, determinado método de imagem poderia economizar R$ 100 em diárias hospitalares a cada R$ 1 investido na sua aplicação.

Figura 3 – A “superutilização” ou “overutilization” dos exames de imagem na medicina aumenta consideravelmente os custos da assistência médica. A indicação mais racional dos exames de imagem pode melhorar o custo efetividade e o custo benefício dessas tecnologias.

  • Desempenho diagnóstico - avaliado através dos cálculos de sensibilidade, especificidade e valores preditivos positivos e negativos. Através desses cálculos é estimada a proporção em que os exames detectam ou excluem corretamente determinada alteração. As propriedades desses cálculos podem ser resumidas numa tabela 2 x 2.

Figura 5 – Tabela 2 x 2 utilizada para os cálculos relacionados ao desempenho diagnóstico dos métodos de imagem.   

 

É intuitivo pensar nos danos potenciais dos resultados falsos. Os falsos negativos podem atrasar o diagnóstico e o tratamento. Os falsos positivos podem causar ansiedade, custos e procedimentos desnecessários e ansiedade.

Menos intuitivo, é considerar os possíveis efeitos colaterais dos resultados verdadeiros. O verdadeiro positivo é vantajoso principalmente quando auxilia o diagnóstico, o monitoramento ou o tratamento de doenças. Também é útil para estadiar e prever resultados de tratamentos. Já o verdadeiro negativo é útil se esse resultado proteger contra procedimentos desnecessários. Resultados verdadeiros, mas que não cumpram esses papeis, costumam gerar apenas ansiedade e desperdício de recursos.

Figura 6 – diagnósticos corretos, mas irrelevantes para a saúde, definidos como sobrediagnósticos ou “overdiagnosis”, apesar de verdadeiros positivos, podem gerar ansiedade desnecessária e desperdiçam recursos.

 

Concluindo, os exames de imagem, como os medicamentos, podem ser bastante úteis aos pacientes, desde que bem indicados e prescritos na dose certa. Mal indicados ou em quantidade inadequada, podem causar efeitos colaterais consideráveis. Cabe ao médico estar preparado e atualizado. A proposta do Dr Pixel é contribuir com informações atuais e isentas nesse sentido.

 

 

 

 

JALES, Rodrigo Menezes. Utilização racional dos exames de imagem em medicina. Dr.Pixel. Campinas: Dr Pixel, 2019. Disponível em: https://drpixel.fcm.unicamp.br/content/197. Acesso em: 22 Dez. 2024
Rodrigo Menezes Jales

Possui graduação em Medicina pela Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP (1999), Mestrado (2005) e Doutorado (2012) em Oncologia Ginecológica e Mamária (DTG-FCM / UNICAMP). 

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