Intervenção prostática
Autores: Kairo Silveira¹ | Bruna Zaidan¹
Introdução
Excetuando-se o câncer de pele não melanoma, o câncer de próstata é o mais comum entre os homens no Brasil. Representa quase um terço (31,7%) dos casos (INCA-2018). O câncer de próstata é a segunda causa mais comum de morte por câncer nos homens brasileiros, ficando atrás apenas do câncer de pulmão.
O diagnóstico do câncer de próstata em fase inicial através do rastreamento pelo PSA e pelo exame clínico possibilitam um tratamento menos agressivo e mais eficiente. Por outro lado, os maiores estudos conduzidos para avaliar o benefício do rastreamento mostram resultados conflitantes (ERPSC – estudo europeu - e o PLCO – estudo norte americano).
Atualmente recomenda-se que a opção pelo rastreamento do câncer de próstata seja tomada pelos pacientes através de informações claras sobre os benefícios e os malefícios relacionados ao rastreamento. Os principais efeitos colaterais são os resultados falsos positivos e o diagnóstico de neoplasia de baixa agressividade, não letais.
De todo modo, a eficácia dos métodos de imagem é determinante tanto para o diagnóstico acertado, bem como para a escolha da melhor estratégia terapêutica.
Anatomia
A próstata é dividida em três grandes zonas:
- Periférica
- Transição
- Central
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A zona periférica envolve a porção mais posterior, lateral e apical (inferior)da próstata. Constitui 70% do tecido glandular e também em 70% dos casos é a sede inicial do câncer de próstata.
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Lembre-se: ‘P’ de próstata e periférico, assim como ‘P’ de problema! Para lembrar que é o local mais usual para apresentação do adenocarcinoma prostático. |
A zona central está localizada superior e posteriormente à uretra proximal, constitui 20% do tecido glandular, mas somente 5% dos casos de câncer de próstata começam nessa região.
Por fim, a zona de transição está localizada imediatamente anterior e lateral à uretra proximal, constitui 5% do tecido glandular e é a sede inicial de 25% dos casos de câncer de próstata.
Há um curioso detalhe anatômico e de nomenclatura na próstata: se a considerarmos um triângulo que tem seu ápice apontado para baixo, chamaremos de ‘base’ a sua porção superior (em contato com a bexiga) e de ‘ápice’ seu extremo inferior. Isto será especialmente importante na biópsia de próstata. Veja a figura:
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Anatomia pelos métodos de imagem
A zona periférica (lembre-se, P de problema!) apresenta alta intensidade de sinal em imagens de ressonância magnética ponderadas em T2. Já na ultrassonografia, a zona periférica tende a ser hiperecogênica e é separada da glândula central por uma faixa hipoecoica.
A zona central e a zona de transição são inseparáveis aos métodos de imagem (tanto na ressonância magnética como na ultrassonografia) e são referidas em conjunto como “glândula central”. Na RM as duas têm menor intensidade de sinal do que a glândula periférica nas imagens ponderadas em T2.
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À esquerda: imagem de ultrassonografia (zona periférica) marcada em amarelo). À direita, corte axial de RM em T2 (zona periférica em verde).
Métodos de avaliação por imagem
Ultrassonografia:
Trata-se de um método de ampla disponibilidade e boa resolução espacial. É o principal método para guiar a realização de biópsias. Dentre os achados ultrassonográficos suspeitos incluem-se:
- Formação nodular ou assimetria, especialmente se hipoecoica e na zona periférica.
- Fluxo aumentado ao estudo Doppler.
- Extensão extraprostática.
- Linfonodomegalia pélvica periprostática.
Recentemente, duas outras características têm ganho espaço: (1) fluxo aumentado ao estudo com contraste ultrassonográfico e (2) dureza à sonoelastografia. O uso de agentes de contraste ultrassonográficos baseados em microbolhas mostrou-se promissor para melhorar a visualização de lesões e para dirigir as biópsias. Há relatos de sensibilidade que chegam a 81% para a detecção do câncer de próstata. Da mesma forma, resultados preliminares de estudos experimentais de sonoelastografia (que identifica áreas de endurecimento da próstata) são também promissores, indicando boas taxas de sensibilidade.
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Imagens ultrassonográficas da próstata, demonstrando formação nodular hipoecoica na zona periférica à direita, com fluxo aumentado ao estudo Doppler – achados suspeitos para malignidade.
Ressonância magnética
A ressonância magnética da próstata, no seu protocolo multiparamétrico, tem ganho destaque em vários estudos recentes que enfatizam seu poder diagnóstico e excelente resolução anatômica.
O protocolo básico de aquisição das imagens inclui ponderações em T2, difusão e estudo dinâmico pós-contraste (por isso o nome de RM multiparamétrica). Também podem ser realizadas as sequências T1 e espectroscopia (menos frequentemente).
A análise das imagens é realizada de forma estruturada, conforme proposto pelo PI-RADS (Sistema de Dados e Relatórios de Imagem da Próstata), atualmente em sua segunda versão. Esse sistema de laudos, como outros “-RADS” que se multiplicaram recentemente, objetiva sistematizar e unificar a análise das imagens, fornecendo parâmetros para caracterização e estratificação de risco de potenciais lesões suspeitas.
Em resumo, os achados suspeitos na ressonância magnética são:
Principais:
- Hipossinal em imagens ponderadas em T2
- Restrição à difusão (com confirmação pelo mapa ADC)
Outros:
- Combinação de pico de realce precoce (wash-in) e clareamento rápido (wash-out) no estudo contrastado dinâmico.
Exemplificam-se os achados da RM com o mesmo caso utilizado acima para a ilustração dos achados ultrassonográficos. Além do objetivo pedagógico, explicita a importância da correlação entre os métodos, algo fundamental na rotina do radiologista.
Serão mostradas sequencialmente a análise dirigida deste nódulo prostático. Veja:
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RM da próstata, corte axial, ponderado em T2, demonstrando área nodular de hipossinal na zona periférica à direita (com correlação perfeita com o achado ultrassonográfico) – seta amarela.
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RM da próstata, corte coronal: o hipersinal nodular na difusão – DWI (à esquerda) é confirmado pelo hipossinal no mapa ADC (à direita) em região concordante. Estes achados sugerem maior densidade tecidual da lesão – achado que é suspeito para malignidade.
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RM em estudo contrastado dinâmico demonstrando pico de realce precoce (wash-in), seguido de clareamento rápido (wash-out). Linha vermelha representa o comportamento do contraste na lesão e a linha verde o comportamento do contraste em área tecidual de controle (área com morfologia e sinal normais).
Métodos de avaliação por amostragem tecidual
Biópsia
Deve-se ressaltar que apesar da evolução contínua dos métodos de imagem na busca do correto diagnóstico do câncer de próstata, em especial da ressonância magnética, o estudo histopatológico é crucial para o diagnóstico definitivo.
A indicação para a biópsia é clínica e geralmente ocorre a partir de um desses critérios:
- Identificação de nódulo no toque retal.
- Níveis elevados de PSA (acima de 4,0 ng/mL) ou maior que 2,5 em pacientes jovens (com idade abaixo de 55 anos).
- Densidade de PSA > 0,15 ng/mL.
- Velocidade de aumento anual > 0,75 ng/mL.
Biópsia transretal guiada por US
A biópsia guiada pelo US transretal é ainda hoje considerada a abordagem padrão para biópsia de próstata. O procedimento consiste na coleta de pelo menos 12 fragmentos sob visualização direta da região periférica. É realizado após aplicação de anestésico local em torno de ambos os feixes neurovasculares (bloqueio periprostático). O exame que pode ser realizado em regime ambulatorial, com duração média de 20 minutos e baixa incidência de complicações (cerca de 2%).
Apesar de ser um procedimento minimamente invasivo, são necessárias orientações e preparos específicos.
Preparo para o exame:
- Preparo intestinal e modificações dietéticas: evidências demonstram que não há benefício destas técnicas nas taxas de complicações.
- Anticoagulantes e/ou antiagregantes: sua suspensão ou manutenção pré-biopsia é complexa e deve considerar os potenciais riscos e benefícios. Estudos recentes sugerem que o uso contínuo de ácido acetilsalicílico (AAS) em baixas doses não resulta em aumento das complicações hemorrágicas graves. No entanto, de um modo geral, a maioria dos serviços ainda recomenda que AAS e outros anti-inflamatórios não esteroides devam ser suspensos 3 a 5 dias antes da biópsia, 7 dias para o clopidogrel e 14 dias para a ticlopidina.
- Antibioticoprofilaxia: trata-se da recomendação mais consensual, considerando a comprovada redução das taxas de complicações infecciosas. No entanto, o esquema a ser usado é também bastante controverso. Estudos recentes mostraram a não inferioridade da dose única, realizada 30 minutos a 1 hora antes do procedimento, em comparação aos esquemas com múltiplas doses. Em contrapartida, o esquema ainda hoje mais frequentemente usado é composto por uma fluoroquinolona por via oral 30 a 60 minutos antes da biópsia (geralmente norfloxacino 400 mg ou ciprofloxacino 500 mg), continuada de 12/12h por 2-3 dias após a biópsia.
Complicações
Embora complicações sérias sejam raras, todo procedimento tem seus riscos e as principais complicações são:
- Infecção: com o uso de antibiótico profilático esse risco é significativamente reduzido. No entanto, o paciente deve ser orientado a procurar um serviço de pronto-atendimento em caso de febre ou sintomas do trato urinário inferior sugestivos de infecção.
- Sangramento na urina: ocorre na maioria dos pacientes, geralmente de pequena intensidade e por duas a três semanas após o procedimento, com redução progressiva e curso autolimitado; não sendo considerado uma complicação. Mas sangramentos muito volumosos e persistentes, assim como dificuldade em urinar, deve motivar a procurar um serviço de pronto-atendimento
- Sangue no sêmen: a maioria dos pacientes terá algum sangue no sêmen por até seis semanas após este procedimento. Se continuar por mais tempo, um urologista deve ser consultado.
- Sangramento nas fezes: é muito comum e habitualmente ocorre nos primeiros dois a três dias após a biópsia e não deve durar mais que duas semanas. Em caso de sangramento intenso e persistente, o paciente deve procurar um serviço de pronto-atendimento.
- Obstrução urinária: pacientes com sintomas obstrutivos prostáticos podem com maior frequência evoluir com retenção urinária aguda, necessitando de avaliação médica.
- Reação alérgica: a algum dos medicamentos usados (na biopsia ou no preparo): embora o risco seja baixo (menos de um em 1.000), ele pode ser reduzido com o questionário pré-procedimento.
O grande inconveniente da biópsia guiada exclusivamente pelo US convencional é a alta taxa de resultados falso-negativos. Isto leva com relativa frequência a novas biópsias. Nestes casos, a taxa de detecção de câncer cai de 22-38% na biópsia inicial para 10-17% na segunda e 5-15% na terceira tentativa. Para melhorar o rendimento destes casos, alguns defendem o uso da “biópsia por saturação”, com o incremento no número de amostras (o número de fragmentos é variável, mas pode chegar a 30 amostras teciduais). Por outro lado, esse incremento pode representar aumento de complicações e desconforto para o paciente.
Regiões como a parte anterior da próstata são subamostrados na biopsia guiada pelo US transretal e evidências crescentes indicam que essas áreas podem abrigar tumores clinicamente significativos.
Biópsia guiada por RM
Trata-se de um método realizado diretamente no aparelho de RM durante a aquisição das imagens de RM. Permite o direcionamento de lesões, geralmente com visualização do alvo durante a biópsia e com capacidade de confirmar o posicionamento de agulha de biópsia no alvo. No entanto, trata-se de uma técnica dispendiosa e com muito baixa disponibilidade, já que ocupa o aparelho de ressonância durante muito tempo, prejudicando a realização de outros exames.
Biópsia por fusão de imagens (US + RM)
Após a realização da RNM, as imagens são colocadas em uma parelho de US dotado de um software específico que o sobrepõe as imagens durante a ecografia prostática transretal, permitindo localizar em tempo real o local áreas consideradas suspeitas. Este é o método que mais tem ganhado espaço nos últimos anos, devido à alta sensibilidade na detecção dos achados e por ser mais facilmente reprodutível, no entanto, está associada a custos inicias na aquisição do software.
Biópsia com fusão cognitiva de imagens entre RM e US transretal
Neste método, o médico faz uma associação mental entre as áreas suspeitas vistas na ressonância magnética e as imagens do US, buscando referências anatômicas que o guie durante o procedimento. As vantagens se devem ao significativo aumento na caracterização e detecção das lesões, por ser um método rápido e por usar uma tecnologia já implantada em muitos centros de diagnóstico. Por outro lado, além do aumento de custo, as lesões não são vistas em tempo real durante a biopsia, o que representa uma desvantagem quando comparado aos métodos usam a ressonância magnética com visualização das lesões em tempo real.
O mesmo caso usado para ilustrar os achados de imagem foi submetido a biopsia por fusão cognitiva de imagens entre RNM e US transretal. Além da amostragem da área suspeita (3 amostras), foi realizada a amostragem dos sextantes (12 fragmentos). Os achados da anatomia patológica foram os seguintes:
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Nos 12 fragmentos amostrados dos sextantes não foram observadas alterações histológicas dignas de nota. Na amostragem em separado da área suspeita, foi observado em toda a extensão dos fragmentos:
- Desarranjo acinar e caráter infiltrativo do estroma, com ácinos pontiagudos e deformados, dissociando as fibras musculares. Os núcleos são hipercromáticos e dispostos em fileira única, com ausência de células basais.
Em conjunto, estas características morfológicas permitem o diagnóstico de adenocarcinoma acinar usual da próstata. Devido à proximidade dos ácinos neoplásicos (aspecto back-to-back) e aos seus contornos irregulares, formam um arranjo denominado cribriforme (semelhante à uma peneira), o que corresponde ao grau 4 da classificação histológica de Gleason. A contagem final de Gleason neste caso foi de 4+4=8 no nódulo suspeito.
Agradecimentos
Expressivos e extensos agradecimentos ao Prof. Dr. Athanase Billis do Departamento de Anatomia Patológica do Hospital de Clínicas da Unicamp pela colaboração com aula.
¹ Médico residente do Departamento de Radiologia da Faculdade de Ciências Médicas – FCM / UNICAMP.
¹ Médico residente do Departamento de Anatomia Patológica da Faculdade de Ciências Médicas – FCM / UNICAMP.

