Oftalmopatia Tireoidea (Oftalmopatia de Graves)

Ago de 2021.

Caso clínico

Paciente do sexo masculino, 42 anos, previamente hígido, comparece ao serviço de urgência e emergências por proptose repentina. Refere que há 1 mês iniciou desconforto na região cervical direita, perda ponderal (cerca de 20 kg), insônia, ansiedade e mudança do humor. Ao exame físico, observada proptose bilateral, mais acentuada à direita e lobo esquerdo da tireoide palpável, sem nodulações evidentes. Realizada hipótese diagnóstica de Doença de Graves e solicitada Tomografia Computadorizada de órbitas sem administração de contraste endovenoso para investigação inicial de proptose.

Achados de imagem

- Densificação dos componentes de partes moles pré-septais bilaterais, inferindo processo inflamatório em atividade (Figura 1).

Figura 1: imagem de Tomografia Computadorizada de órbitas no plano axial demonstrando espessamento e densificação dos componentes de partes moles pré-septais (setas).

 

- Proptose à direita: definida como distância da linha interzigomática até a superfície anterior do globo ocular maior que 23 mm (Figura 2).

Figura 2: imagem de Tomografia Computadorizada de órbitas no plano axial demonstrando distância da superfície do globo ocular direito até a linha interzigomática de 26,73 mm.

 

- Sinal da garrafa de Coca-Cola™ (Coca-Cola™ Bottle Sign): redução da atenuação e aumento volumétrico do ventre do músculo reto inferior direito, com preservação do aspecto anterior do seu tendão (Figuras 3 e 4). Aspecto ganha este nome dada sua semelhança com garrafas de vidro da marca Coca-Cola™.

 

Figura 3: imagem de Tomografia Computadorizada de órbitas no plano coronal demonstrando aumento volumétrico e redução da atenuação do ventre do músculo reto inferior direito.

 

Figura 4: imagem de Tomografia Computadorizada de órbitas no plano axial demonstrando redução da atenuação do ventre do músculo reto inferior, com preservação de seu tendão, resultando no “sinal da garrafa de Coca-Cola” (Coca-Cola™ Bottle Sign).

 

Hipótese Diagnóstica:  Oftalmopatia Tireoidea ou Oftalmopatia de Graves.

Patologia:

A oftalmopatia tireoidea é uma doença autoimune da órbita intimamente associada com o hipertireoidismo (doença de Graves), embora ambas as condições possam existir separadamente. A teoria mais aceita para explicar a associação entre oftalmopatia tireóidea e doença tireóidea autoimune é a possível reação cruzada de linfócitos T sensibilizados e/ou anticorpos contra antígenos comuns à tireoide e à órbita. Em grande parte dos casos a oftalmopatia ocorre concomitantemente com o início do hipertireoidismo, mas pode preceder ou suceder o início da disfunção da glândula, podendo ainda, em pequena parte dos casos, ocorrer em indivíduos eutireoideos ou hipotireoideos. Na maioria dos casos o processo é autolimitado, e quando o tratamento está indicado a principal medicação é a corticoterapia sistêmica [1,2,3,4].

Apresentação clínica

A história natural da doença é dividida em fase aguda ou inflamatória, de caráter progressivo e histologicamente associada com infiltração linfocítica e alterações edematosas, seguida pela fase inativa ou fibrótica, associada com alterações fibróticas e infiltração gordurosa nos tecidos retro-orbitários, especialmente os músculos extraoculares [4].

Na oftalmopatia tireóidea os sinais e sintomas habitualmente se desenvolvem dentro de um ano após o início da disfunção endócrina.

Os músculos extraoculares são os principais alvos acometidos pelo fenômeno imunológico e geralmente obedecem a seguinte ordem decrescente de frequência:

- Músculo elevador palpebral superior.

- Músculo reto inferior.

- Músculo reto medial.

- Músculo reto superior.

- Músculo reto lateral.

- Músculos oblíquos.

A ordem do acometimento pode ser memorizada pelo mnemônico “I’M SLOW” (inferior, medial, superior, lateral, oblíquos), excetuando o músculo elevador palpebral superior.

Outros sinais clínicos importantes determinados pelas alterações inflamatórias e/ou congestão vascular incluem retração palpebral superior e inferior, hiperemia conjuntival e edema periorbitário [3,4], assim como sequelas da hipertrofia dos músculos extraoculares, traduzidas por perda visual resultante de ulceração da córnea secundária à proptose e neuropatia óptica por compressão do nervo óptico no ápice da órbita [1,4]

A exoftalmia é quase sempre bilateral, em geral relativamente simétrica. O músculo reto inferior é o mais comumente envolvido, seguido pelo reto medial, reto superior e reto lateral [1,2].

Epidemiologia

A oftalmopatia tireoidea é a causa mais comum de doença orbitária na população adulta, e responsável por 15% a 28% dos casos de exoftalmia unilateral e 80% dos casos de exoftalmia bilateral [1,2].

Achados de imagem

- Tomografia Computadorizada:

Dada a disponibilidade e rapidez nas aquisições das imagens, muitas vezes os diagnóstico é realizado pela tomografia computadorizada com contraste endovenoso, embora este não seja necessário, já que as diferentes densidades da musculatura e da gordura orbitária permitem o delineamento adequada de seus componentes.

Os achados incluem:

  • Exoftalmia:
  • Utiliza-se como referência para a mensuração da proptose a linha interzigomática (linha que conecta as margens anteriores dos ossos zigomáticos).
  • A distância normal dessa linha até face posterior da esclera é de 9,9 mm (+/- 1,7 mm).
  • A distância normal dessa linha até a superfície anterior do globo ocular é <23mm.
  • As distâncias maiores que as apresentadas indicam exoftalmia.

 

  • Alargamento e diminuição da atenuação da musculatura extraocular:
  • A ordem de envolvimento dos músculos pode ser lembrada pelo mnêmico “I’M SLOW”.
  • Envolvimento bilateral (76-90%) e simétrico (70%).
  • O tendão anterior é tipicamente poupado, e o acometimento é confinado ao ventre do músculo: essa aparência é frequentemente referida como “sinal da garrafa de Coca-Cola™” (Coca-Cola™ Bottle Sign).
  • Quanto maior o aumento volumétrico dos músculos, maior a o risco de compressão do nervo óptico.

Outros sinais mais raros incluem:

  • Alargamento das glândulas lacrimais (por infiltração linfocítica).
  • Quemose.
  • Deslocamento anterior do septo orbital.

 

- Ressonância Magnética:

A avalição por Ressonância Magnética pode ser útil para otimizar o contraste dos tecidos moles. O local e o envolvimento da musculatura ocular geralmente se assemelham àqueles descritos na Tomografia Computadorizada. Sequências específicas de Ressonância Magnética podem demonstrar os seguintes achados:

- T1: isossinal com outros músculos da face ou infiltração gordurosa.
- T2: aumento do sinal pode ser visto devido ao processo inflamatório.
- T1 com contraste (Gadolínio): realce pode estar presente.
 

Diagnósticos diferenciais

Outras doenças podem também causar espessamento dos músculos extraoculares e devem eventualmente ser consideradas no diagnóstico diferencial, como o pseudotumor orbitário e processos linfoproliferativos. Nestes casos, o envolvimento é mais comumente unilateral e não poupa as inserções tendíneas. Além disso, o quadro clínico costuma ser acompanhado de dor. Mais raramente, podemos citar a amiloidose orbitária e o processo neoplásico metastático, sobretudo secundário a neoplasia de mama, sendo o comprometimento, em geral, de padrão nodular [5].

Tratamento

Embora em algumas instâncias a doença seja auto-limitada, desconforto, aspectos estéticos, risco de ulceração da córnea e compressão do nervo óptico frequentemente requerem tratamento. As modalidades incluem:

- Clínico: suporte e corticosteroides.

- Radioterapia.

- Descompressão cirúrgica.

Discussão

Apesar da apresentação atípica unilateral, os achados de imagens correlacionados com o quadro clínico são sugestivos de oftalmopatia de Graves, notadamente pelo aumento e redução do ventre muscular poupando a inserção tendínea do reto inferior (sinal da garrafa de Coca-Cola™).

 

 

Referências

1. Cakirer S, Cakirer D, Basak M, et al. Evaluation of extraocular muscles in the edematous phase of Graves ophthalmopathy on contrast-enhanced fat-suppressed magnetic resonance imaging. J Comput Assist Tomogr. 2004;28:80-6.

2. El-Kaissi S, Frauman AG, Wall JR. Thyroid-associated ophthalmopathy: a practical guide to classification, natural history and management. Intern Med J. 2004;34:482-91.         

3. Mafee MF. Orbit: embryology, anatomy and pathology. In: Som PM, Curtin HD, editors. Head and neck imaging. 4th ed. St Louis: Mosby; 2003. p. 529-654.      

4. Fung S, Malhotra R, Selva D. Thyroid orbitopathy. Aust Fam Physician. 2003;31:615-20.  

5. Parmar H, Ibrahim M. Extrathyroidal manifestations of thyroid disease: thyroid ophthalmopathy. Neuroimaging Clin N Am. 2008;18:527-36.  

BORELLA, Luiz. WERTHEIMER, Guilherme. Oftalmopatia Tireoidea (Oftalmopatia de Graves). Dr.Pixel. Campinas: Dr Pixel, 2021. Disponível em: https://drpixel.fcm.unicamp.br/conteudo/oftalmopatia-tireoidea-oftalmopatia-de-graves. Acesso em: 29 Mar. 2024
Luiz Borella

Graduado em Medicina pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) (2013-2018). Atualmente, médico residente em Radiologia e Diagnóstico de Imagem na UNICAMP (2020-2023).

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Guilherme Soares de Oliveira Wertheimer

Possui graduação em Ciências Biológicas-Modalidade médica pela Universidade Federal de São Paulo (2007-2010) com ênfase em Neurociências. Graduação em Medicina na Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) (2012-2017) com cursos internacionais, trabalhos extracurriculares e de iniciação científica em Neuroimagem. Atualmente residente de Radiologia e Diagnóstico de Imagem na UNICAMP (2019-2022).

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