Perfuração intestinal espontânea em recém-nascido ocasionando pneumoperitôneo

Ago de 2016.

Autora:  Isabela Gusson Galdino dos Santos

Orientadora: Profa. Dra. Beatriz Regina Alvares                                                                                                                                                                                


História Clínica:

Recém-nascido (RN) prematuro, idade gestacional de 27 semanas, sexo masculino e peso ao nascer de 680g, nasceu de parto cesárea devido à complicação gestacional por pré-eclâmpsia. Nascimento sem intercorrências.

Evoluiu no 10º dia de vida com distensão abdominal importante, sem dor à palpação. Radiografia abdominal mostrou distensão difusa de alças, principalmente em abdome superior, e ausência de ar no reto. Apresentou piora da distensão e hipoatividade no 14º dia de vida, sendo solicitado novo RX, que evidenciou ar no abdome anterior (pneumoperitôneo) com distensão difusa de alças (figuras 1 e 2). Solicitada avaliação da cirurgia pediátrica, que realizou drenagem abdominal em fossa ilíaca esquerda, com saída de ar, líquido sero-sanguinolento e mínima quantidade de secreção entérica. RX com raios horizontais pós-drenagem mostrou melhora do padrão radiológico.

 

Entretanto, após 4 dias, paciente voltou a apresentar distensão abdominal. Solicitado novo RX, que revelou novamente a presença de pneumoperitôneo (figuras 3 e 4). Como RN em bom estado geral, sem piora hemodinâmica, optado por nova drenagem em fossa ilíaca direita, sem intercorrências, com saída de ar e pequena quantidade de líquido amarelado, porém sem melhora do padrão radiológico.

Realizado RX contrastado para descartar perfuração gástrica, o qual veio sem alterações.

Como paciente mantinha distensão abdominal e sinais de pneumoperitôneo nas radiografias de controle, foi optado por intervenção cirúrgica. Paciente submetido à laparotomia exploradora com 21 dias de vida. No intraoperatório, foi encontrada grande quantidade de fezes e dois pontos de perfuração: um no intestino delgado e outro no cólon. Sem sinais de hiperemia ou necrose nas áreas adjacentes às perfurações. Realizada resseção de 07 cm de delgado e 07 cm de cólon, anastomose de alças e lavagem exaustiva da cavidade.

Após cirurgia, paciente evoluiu imediatamente com normalização do RX e cicatriz cirúrgica em bom aspecto. Contudo, após 1 semana, voltou a apresentar-se hipoativo, com distensão abdominal muito importante, abdome doloroso à palpação e tenso. RX confirmou recidiva de pneumoperitôneo e foi optado por intervenção cirúrgica de urgência devido à deterioração clínica. Paciente submetido à nova laparotomia exploradora, sendo encontradas duas novas perfurações, com grande quantidade de fezes intra abdominal. Novamente não havia sinais de hiperemia ou necrose nas áreas adjacentes às perfurações. Realizadas duas resseções de delgado (14 cm de jejuno e 6 cm de íleo), sem intercorrências.

Após cirurgia, paciente evoluiu estável hemodinamicamente, com evacuações mantidas, sem vômitos nem febre. Optado por reintroduzir dieta lentamente e manter cuidados clínicos. RN não voltou a apresentar intercorrências abdominais durante a internação e recebeu alta hospitalar em boas condições.


Imagens do Caso

 

Figura 1 - Radiografia simples de abdome, demonstrando  ar na cavidade peritoneal, caracterizada por área radiolucente no hemiabdomen direito (seta). Adjacente à mesma pode ser identificada  imagem linear radiodensa, correspondendo ao ligamento falciforme (seta),  que só foi visibilizado devido à interface com o ar livre na cavidade peritoneal.


Figura 2 - Radiografia simples de abdome realizada em decúbito dorsal com os raios horizontais, demonstrando ar livre visibilizado entre a parede intestinal e o fígado (seta).


Figura 3 - Radiografia simples de abdome realizada em decúbito dorsal com os raios verticais evidencia aumento da quantidade de ar livre na cavidade peritoneal em relação aos exames anteriores (seta). Identificado o sinal de Riegler – visibilização da parede da alça devido à interface entre o ar dentro e fora da alça intestinal (setas).


Figura 4 - Radiografia simples de abdome realizada em decúbito dorsal com raios horizontais, demonstrando o aumento de ar livre visibilizado entre a parede intestinal e o fígado (setas longas). O sinal de Riegler também é identificado (seta curta).

 


Diagnóstico

Perfuração intestinal espontânea

 


 

Discussão:

Pneumoperitôneo é o termo usado para designar a presença de ar livre na cavidade abdominal em exame de imagem, sendo geralmente secundário à perfuração intestinal. Na população neonatal, a principal causa associada a esse achado radiológico é a enterocolite necrosante (ECN), porém existem diversas outras patologias que podem cursar com pneumoperitôneo, como perfuração espontânea, perfuração secundária a volvo, a íleo meconial, a atresia intestinal, a divertículo de Meckel e a doença de Hirschsprung.[1]

A perfuração intestinal espontânea (PIE) é uma das causas de pneumoperitôneo mais freqüentes em recém-nascidos (RN) de extremo baixo peso, com uma incidência que varia de 3,9 a 7,4% [2]. É definida como uma perfuração intestinal focal sem alterações do tecido intestinal adjacente e sem outra causa associada. Apesar de já ter sido interpretada como uma variante da enterocolite necrosante, hoje é aceita como uma entidade clínica distinta, se diferenciando da primeira tanto em aspectos clínicos como radiológicos e cirúrgicos [3].

O principal fator de risco para a PIE é a prematuridade associada a baixo peso ao nascer. Entretanto, outros fatores têm sido identificados, como corioamnionite materna, uso de indometacina no período pós- natal e persistência do canal arterial. A etiopatogenia da PIE ainda não está completamente esclarecida, porém acredita-se que esteja relacionada a alterações no metabolismo do óxido nítrico na circulação mesentérica [2-4].

Clinicamente, a PIE costuma manifestar-se através de distensão abdominal, vômitos e parada na eliminação de fezes. Os recém-nascidos também podem apresentar hipoatividade, queda do estado geral e presença de hiperemia na parede abdominal. Um achado que tem sido muito descrito como sendo mais específico da PIE em relação a outras patologias abdominais do período neonatal é o aspecto cutâneo azulado que a parede abdominal adquire no início do quadro clínico [2,4].

O diagnóstico da PIE pode ser confirmado pela presença do pneumoperitôneo na radiografia abdominal, porém sua confirmação e diferenciação de outras etiologias depende de outros achados. O diagnóstico diferencial com a ECN pode ser feito pela presença de outros achados radiológicos típicos da ECN, como pneumatose intestinal e ar no sistema porta, quadro clínico, que costuma ser mais grave na ECN e pelo aspecto do tecido intestinal adjacente ao ponto da perfuração, que é normal na PIE e que apresenta inflamação e necrose na ECN [3-6].

O tratamento de escolha na PIE é inicialmente conservador. Logo, a primeira opção é a drenagem abdominal fechada, associada a cuidados clínicos gerais [1,4]. Entretanto, a presença dos seguintes achados justifica a realização de abordagem cirúrgica via laparotomia: sinais de peritonite, instabilidade hemodinâmica, leucocitose, indícios de extravasamento de conteúdo do trato gastrointestinal na cavidade abdominal e falha do tratamento conservador [1]. É importante que cada caso seja analisado de forma global, levando em consideração as características clínicas de cada paciente.

 


Fonte: Acervo didático da Seção de Imaginologia do CAISM/UNICAMP

 


Fotógrafo: Neder Piagentini do Prado: ASTEC/CAISM/UNICAMP.

 


Referências

 

1. Gupta R, Bihari Sharma S, Golash P, Yadav R, Gandhi D. Pneumoperitoneum in the newborn: is surgical intervention always indicated? J Neonatal Surg. 2014 Jul 10;3(3):32.

2. Fischer A, Vachon L, Durand M, Cayabyab RG. Ultrasound to diagnose spontaneous intestinal perforation in infants weighing ⩽ 1000 g at birth. J Perinatol. 2015 Feb;35(2):104-9.

3. Fisher JG, Jones BA, Gutierrez IM, Hull MA, Kang KH, Kenny M, et al. Mortality associated with laparotomy-confirmed neonatal spontaneous intestinal perforation: a prospective 5-year multicenter analysis. J Pediatr Surg. 2014 Aug;49(8):1215-9.

4. Tiwari C, Sandlas G, Jayaswal S, Shah H. Spontaneous intestinal perforation in neoates. J Neonatal Surg. 2015 Apr 1;4(2):14.

5. Pumberger W, Mayr M, Kohlhauser C, Weninger M. Spontaneous localized intestinal perforation in very-low-birth-weight infants: a distinct clinical entity different from necrotizing enterocolitis. J Am Coll Surg. 2002 Dec;195(6):796-803.

6. Bartoli F, Vasseur Maurer S, Giannoni E, Osterheld MC, Laubscher B. Focal spontaneous colic perforation in term or near-term neonates: rare and potentially insidious. Arch Pediatr. 2011 Apr;18(4):408-12.

 

. Perfuração intestinal espontânea em recém-nascido ocasionando pneumoperitôneo. Dr.Pixel. Campinas: Dr Pixel, 2016. Disponível em: https://drpixel.fcm.unicamp.br/conteudo/perfuracao-intestinal-espontanea-em-recem-nascido-ocasionando-pneumoperitoneo. Acesso em: 23 Abr. 2024